04 abril 2014

para uma tortura bastar - parte II

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essa coisa de primeira impressão me pega pra caralho. fiquei pensando com-que-roupa-com-que-roupa-com-que-roupa-eu-vou-pro-samba-que-você-me-convidou. imaginei que você estivesse cagando pra minha roupa e se importando muito mais com o que estava dentro dela. ou com o que não estava. porque, sim. fui sem. obviamente pra provocar, pra ter um motivo, ter algo pra contar que fugisse do trivial. marcamos de nos ver já no lugar porque bernardo tem esse quê de independência amorosa assim como eu tenho, embora ele pareça muito mais interessado em mim do que eu nele. ao mesmo tempo que me interesso, perco o interesse do nada.

quando cheguei ele já estava lá, no segundo chope. não sei bem o que me deu, cheguei e dei um beijo nele. na boca. um beijo leve. quase infantil. um selinho demorado. doce. desses que faz as pernas tremerem e o peito queimar.

- você está linda.

sorri. não disse nada. nem oi. é duro ter sido casada. é foda. de alguma maneira, algo dentro de você congela e teme. expectativa demais estraga o ser humano.

- eu precisava muito ter ver, ele suspirou.

eu não sei teu signo, criatura, mas teu timbre de voz me transporta prum mercúrio quase, quase nada retrógrado. arrisquei uma primeira fala enquanto ajeitava uma mecha de cabelo atrás da orelha.

- a gente nem se conhece direito.

ele sorriu. senhor amado. uma coisa me queima por dentro. um horror, um sonho, uma coisa incrível e assustadora. amor?

pedi um drinque qualquer, nem lembro qual. ele continuou no chope. nove. contei as bolachas. me achei psicótica por isso. contar quantos chopes ele tomou. mas contei. tomei três drinques e uma dose de cachaça. tentei fazer uma conta que envolvesse porcentagem alcoólica, mas desisti porque já estava bêbada e por na balança quão bêbado está cada um é uma merda. ele perguntou se eu queria ir até a casa dele. ouvir discos. todo mundo sabe que tipo de disco você ouve quando está com bebida na cabeça. e eu fui.

quando chegamos lá foi inevitável perceber a organização. casa muito mais arrumada que a minha. certeza. ele colocou “when lights are low” e me pegou de surpresa. me beijando e me agarrando pela cintura. será que eu ainda tenho pernas, eu pensava, porque ficar de pé estava impossível. não pela bebida, mas pela coisa toda, pelo abraço, pela dança, pelo beijo, por aquele homem, aquele pescoço, aquelas mãos que meudeusdocéu.

- eu não sei dançar.

e ele falou de um jeito tão fofo.

- dançar é só uma desculpa pra eu me esfregar em você.

sei lá. eu tava bêbada. foda-se. falei.

e ficamos dançando na sala.

eu sentia o cheiro dele, sentia, sentia mais, ele me cheirava e me beijava. e me pegava pelo cabelo dum jeito que parecia mesmo que sabia o que estava fazendo. parecia de propósito. ele enfiava a mão no meu cabelo por dentro, perto da nunca, e segurava tudo, o cabelo, a cabeça, meu corpo, meu coração. eu estava entregue. mesmo. eu fraquejei. expulsei meus demônios cheios de medo. estava bom. por que eu deveria me privar de viver algo bom? por que, bernardo, se você só faz com que eu me sinta bem e viva e amada e uma mulher diferente das outras mulheres que você já teve, sei lá, sua amante, sua mulher, fazer planos, aqui você vai comprar carvão, aqui cerveja, vamos morar aqui nesse apartamento perto da treze de maio, vamos ter dez filhos, sei lá, eu fazia planos sem querer enquanto você me abraçava, com a tua mão esquerda dentro do meu cabelo, me enfiando na tua vida pra sempre e eu nem sabia.

- mais, falei.

e ele me beijou mais. e me segurou forte.

e o mundo – tão grande, tão gigante, tão mundo – parou.


[continua...]

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